Chart of the Week | Miller Atlas, c. 1517-1519, Portugal
Authors | Autores Lopo Homem, [Pedro Reinel], [Jorge Reinel]
Date | Data [c.1517-1519]
Country | País Portugal
Archive | Arquivo Bibliothèque nationale de France
Call number | Número de Catálogo Res. Ge. DD. 683
A precious set of ten manuscript nautical charts and a world map, known as the Miller Atlas, is kept in the Bibliothèque nationale de France and presents the world as it was known in Europe before the voyage of Fernão de Magalhães and Sebastian Elcano. The world map is signed and dated (1519) by the young nobleman and cartographer Lopo Homem, in a Latin legend written on its verso, which may have served as the cover page of the atlas. Based on stylistic and calligraphic considerations, most historians agree in attributing the ten nautical charts of the atlas to Pedro and Jorge Reinel. As to the decorative elements framing the charts, they were attributed by Sylvie Deswarte to the Dutch miniaturist António de Holanda, who was active in Portugal in the first decades of the sixteenth century. While the world map was surely made in 1519, according to its author’s signature, various production dates have been proposed for the charts themselves, ranging from before 1512 to after 1522. Since the publication of Portugaliae Monumenta Cartographica, in 1960, the date of c. 1519 proposed by Cortesão and Mota has been broadly accepted.
Two features of this atlas stand out immediately. The first is the opulence of the manuscript, with exuberant decoration and an abundance of gold and silver, suggesting it was intended to be a gift to some royal house, perhaps to King Francis I of France. The other is the anachronism of its content, putting side by side up-to-date geographical information and an archaic conception of the world inspired by Ptolemaic models. This is illustrated in the crude circular world map signed by Lopo Homem, where the Atlantic and the Indian Oceans form a great lake entirely surrounded by land, and also in the two charts depicting the east coast of Asia and the Banda Sea, where the eastern margin of the Ptolemaic Magnus Golfus Chinarum (The Great Gulf of China) is represented and named. As in a chart of the Indian Ocean of c. 1518 attributed to Pedro Reinel (see CoW article), the geography of Southeast Asia is a strange mix of information acquired by contemporary mariners and a design imported from Ptolemy’s Geography. But while in that chart a clear graphical distinction is made between the modern information and the old model, in the Miller atlas equal weight appears to have been given to both representations.
The traditional interpretation of this anachronism is that it reflects the still popular Ptolemaic ideas about the geography of the world. Indeed, this configuration of the Atlantic and Indian oceans was defended by Duarte Pacheco Pereira and others, at a time when the voyage of Magellan had not yet taken place and European’s knowledge of Southeast Asia was fragmentary. This interpretation is, however, inconsistent with the proposed dating of c. 1519. By that time, Pedro and Jorge Reinel, the same two cartographers to draft those problematic charts, were probably in Spain, making the Kunstmann IV planisphere. On it, the Ptolemaic concepts were abandoned, and the Moluccas were depicted with the more realistic shape and in the more accurate geographical context as in Reinel’s chart of c. 1518. A possible interpretation, first suggested by Cortesão e Mota and later defended by Alfredo Pinheiro Marques, is that the cartographers were instructed to manipulate the depiction of Southeast Asia, as an attempt to convince the atlas’s recipients that reaching the Moluccas by sailing west would be impossible. Another explanation, proposed by José Manuel Garcia, is that the charts were not drafted by Pedro and Jorge Reinel, but by the author of the world map, Lopo Homem. My alternative hypothesis is that the charts of this atlas were completed before 1518, when the information that permitted Pedro Reinel to depict the Moluccas more accurately was not yet available to him. Accordingly, since the world map is dated 1519 and the charts appear to have been made specifically for the atlas, its completion may have taken more than one year, from 1517 to 1519.
Versão portuguesa
Um precioso conjunto de dez cartas náuticas manuscritas e um mapa-mundo, conhecido por Atlas Miller, está conservado na Bibliothèque nationale de France e representa o mundo tal como era conhecido na Europa antes da viagem de Fernão de Magalhães e Sebastian Elcano. O mapa-mundo está assinado e datado (1519) pelo jovem fidalgo Lopo Homem, numa legenda latina escrita no verso, o qual pode ter servido de página de rosto do atlas. Com base em considerações estilísticas e caligráficas, a generalidade dos historiadores está de acordo em atribuir as dez cartas náuticas a Pedro e Jorge Reinel. Quanto aos elementos decorativos que embelezam as cartas, foram atribuídos por Sylvie Deswarte ao miniaturista alemão António de Holanda, que esteve activo em Portugal durante as primeiras décadas do século XVI. Enquanto o mapa-mundo foi seguramente desenhado em 1519, de acordo com a assinatura do autor, várias datas têm sido propostas para as cartas em si, variando entre antes de 1512 e depois de 1522. Desde a publicação dos Portugaliae Monumenta Cartographica, em 1960, a data de c. 1519 proposta por Cortesão e Mota tem sido amplamente aceite.
Duas características deste atlas chamam imediatamente a atenção. A primeira é a opulência do manuscrito, com exuberante decoração e abundância de ouro e prata, sugerindo que se destinava a ser oferecido a uma casa real, talvez ao rei Francisco I de França. A outra é o anacronismo do seu conteúdo, colocando lado a lado informação geográfica actualizada e uma concepção arcaica do mundo inspirada em modelos ptolemaicos. Esta concepção é ilustrada pelo grosseiro mapa-mundo circular assinado por Lopo Homem, onde os Oceanos Atlântico e Índico formam um grande lago completamente rodeado de terra, e também pelas duas cartas que representam a costa oriental da Ásia e o Mar de Banda, onde a margem leste do Magnus Golfus Chinarum (Grande Golfo da China) ptolemaico está representado e nomeado. Tal como na carta de c. 1518 atribuída a Pedro Reinel (ver artigo CoW), a geografia do Sueste Asiático é uma estranha mistura de informação adquirida pelos navegantes com a configuração importada da Geografia de Ptolemeu. Mas enquanto na carta uma clara distinção gráfica é feita entre a informação recente e o velho modelo, no Atlas Miller parece ter sido atribuído o mesmo peso a ambas as representações.
A interpretação tradicional deste anacronismo é que ele reflecte as ainda populares ideias ptolemaicas sobre a geografia do mundo. De facto, esta configuração do Atlântico e do Índico tinha sido defendida por Duarte Pacheco Pereira e outros, numa época em que a viagem de Magalhães não se tinha ainda realizado e o conhecimento dos europeus sobre o Sueste Asiático era fragmentário. Contudo, esta interpretação é incoerente com a datação proposta de c. 1519. Nessa data, Pedro e Jorge Reinel, os mesmos que desenharam as cartas problemáticas, estavam provavelmente em Espanha completando o planisfério Kunstmann IV. Neste, os conceitos ptolemaicos foram abandonados, e as Molucas representadas com a configuração mais realista e o mais correcto contexto geográfico da carta de Pedro Reinel de c. 1518. Uma possível interpretação, primeiro sugerida por Cortesão e Mota e depois defendida por Alfredo Pinheiro Marques, é que os cartógrafos foram mandados manipular a representação do Sueste Asiático, numa tentativa de convencer os futuros possuidores do atlas de que chegar às Molucas navegando para ocidente seria impossível. Uma outra explicação, proposta por José Manuel Garcia, é que as cartas não foram desenhadas por Pedro e Jorge Reinel, mas pelo autor do mapa-mundo, Lopo Homem. A minha hipótese alternativa é de que as cartas do atlas foram completadas antes de 1518, quando a informação que permitiu a Pedro Reinel representar as Molucas de forma mais exacta não estava ainda disponível. De acordo com esta interpretação, e uma vez que o mapa-mundo está datado de 1519 e as cartas parecem ter sido feitas especificamente para o acompanhar no atlas, a sua preparação pode ter demorado mais de um ano, de 1517 a 1519.
Further reading | Leitura complementar
Armando Cortesão, Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos Séculos XV e XVI (Lisboa, Seara Nova, 1935), p. 278-298.
Armando Cortesão e Avelino Teixeira da Mota, Portugaliae Monumenta Cartographica, Vol. I (Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1987), p. 55-61.
Alfredo Pinheiro Marques, Os Descobrimentos e o Atlas Miller (Figueira da Foz, CEMAR – Centro de Estudos do Mar, 2011), p. 249-307.
Alfredo Pinheiro Marques & Luís Filipe Thomaz, The Miller Atlas (Barcelona, M. Moleiro Editor, 2006).
José Manuel Garcia, Fernão de Magalhães: herói traidor ou mito (Lisboa: Manuscrito Editora, 2019), p. 92-94.
Sylvie Deswarte, Les Enluminures de la Leitura Nova 1504-1552 (Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, 1977), p. 13-14.
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